Visitas ao Cão
Visitas ao cão é um manifesto trágico que através de rimas e rezas narra os estados da violência pelo mundo. O monólogo do ator Gustavo Braunstein, com direção de Pablo Calazans, reúne elementos performáticos, ritualísticos e narrativas audiovisuais a fim de trazer a figura do cão como metáfora poética do homem, estabelecendo uma ponte entre as guerras do Oriente Médio e as periferias brasileiras. O impulso de revolta das rimas dos guetos mistura-se ao desespero dos momentos em que a prece em árabe, português ou hebraico parece ser única alternativa.
O monólogo traz a violência como temática e propõe a figura do “Cão” (mote do projeto) como metáfora na qual o homem é encaixado de maneira poética para tratar os estados de tragédia que se repetem e atravessam o mundo globalizado. Incluem-se nestes aspectos a banalização e espetacularização da violência, as guerras diárias (em amplo sentido) da periferia, a indústria e a mídia, a reprodução da cultura do ódio e as altas taxas de homicídio que evidenciam um estado de guerra contra o valor humano. O trabalho realiza especificamente uma ponte que leva e traz o dito “mundo- cão” do Brasil aos conflitos do oriente médio e busca se afirmar enquanto cerimônia coletiva, na qual almeja a leitura de um manifesto contra a tragédia no mundo. A dramaturgia transita entre rimas estruturadas no RAP, poesia e rezas inventadas ou não, em árabe, português e hebraico para compor um manifesto (trágico) constituído de quatro atos, "Gêneses ou Evocação"; "11º Mandamento: Toque de recolher"; "Vila Damasco"; e "Profecia" que poderiam soar ao público como quatro livros sagrados ou ainda, quatro faixas de um CD de RAP.
O suporte primordial para esta encenação é o corpo, fazendo alusão ao atentado à vida e ao desrespeito à morada simbólica. Através de coreografias, partituras físicas e vocais, o ator busca modos de produzir uma anatomia moldada pelo horror provocado pelos ciclos de violência, constituindo o corpo cênico enquanto espaço sagrado no mundo cotidiano, simultaneamente altar e destruição, templo e alvo de atentado.
Festival Internacional de Teatro do Mindelo| 2017
Mindelo, Cabo Verde
SP Escola de Teatro | 2018
São Paulo, SP
Manifesto Trágico
A construção dramatúrgica busca articular uma proposta de escrita que transita entre letras de Rap ou rimas e orações ou rezas. O princípio regente do texto é a rima, que busca resgatar o movimento de revolta e inconformismo presentes nas letras de RAP e estabelece diálogo com o espaço da reza ou prece através de orações inventadas e trechos dos livros sagrados como o Alcorão, a Torá e a Bíblia sagrada, sendo assim, acumulam-se no texto trechos em hebraico, árabe e português para investigar as possibilidades deste espaço de tragédia proposto pelo paralelo Brasil/ Oriente médio. Este aspecto da religiosidade do paralelo Brasil/ Oriente médio também é utilizado como artifício para tratar o tema de modo universal e para tensionar poeticamente a criação deste “culto” à imagem do Cão em nossa sociedade, visto que a figura do “Cão” se apresenta metaforicamente por vezes como entidade e religião onipresente na tragédia.
São inspirações para esta construção estética os livros sagrados como: a Bíblia sagrada, a Torá, o Alcorão e grupos clássicos do RAP brasileiro como Racionais Mc’s, Facção Central, Sabotage e MV Bill. A dramaturgia do espetáculo é dividida em 4 livros, com intencionalidade dupla fazendo menção às divisões de “capítulos” dos textos sagrados ou faixas musicais de um disco.